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Minhas férias no sertão

by admin on julho 7th, 2011

Minhas férias no sertão

(Década de 50)

Sonho: Voltar ao sertão! Matar a saudade, curtir as férias…  Atraído pela força telúrica do torrão natal, todos os anos, sempre na companhia da minha dileta prima Neide (do Cândido) viajávamos para Morada Nova. Destino: a aprazível Fazenda “Canto da Onça” dos queridos e saudosos primos: Tio Girão e Tia Jovem (como nós carinhosamente os tratávamos) e onde, hospedados, passávamos as férias.

Da cidade, após algumas horas de charrete, chegávamos ansiosos à fazenda. Antes de adentrarmos, chamava-nos a atenção a beleza da casa: estrutura elevada, ampla área alpendrada, apoiada em colunas, com duas entradas laterais de características típicas das casas de fazenda. A fachada branca, do tipo chalé, emoldurada de duas grandes janelas, toda sombreada por um centenário “Fícus-Benjamim” e um belo “Pau Branco” florido. Ao lado, o curral do gado com a porteira guarnecida de dois mourões ligados por alinhadas estacas corrediças. Em frente, um vasto campo de roçado para plantio.

Ainda muito ansiosos da chegada, éramos recebidos festivamente pelos Tios Girão, sua amável Jovem e os filhos Luiz, Nilda e Eduilton. Quanta cordialidade! Muitos abraços, alegria esfuziante de todos. Sentíamo-nos verdadeiramente felizes, uma maravilha! Estávamos enfim no Sertão, propriamente compartilhando do lar daquela acolhedora família. A convivência familiar ali se desenvolvia de forma feliz e tranquila, forjada na força do trabalho, amor, harmonia e solidariedade entre todos. A sólida união do casal, em particular, sempre esteve alicerçada no amor, fortalecida na fé e alimentada nos princípios cristãos, perdurando enquanto viveram, mercê das bênçãos de Deus, fecundo o merecimento de ambos.

O ambiente íntimo abrigava também dois inesquecíveis sobrinhos: Netinho e Zé de Sales que, naqueles anos, laboravam no cultivo da lavoura e, apoiados por seu primo Luiz, eram reconhecidos como grandes produtores de algodão, milho e feijão, marcantes eram suas capacidades produtivas.

Embora com renda modesta, o clã mantinha um excelente padrão de vida compatível para a época, assemelhando-se aos níveis atuais acima de uma confortável classe média. Agregava-lhe ainda razoável patrimônio: boas terras ribeirinhas, produtivo plantel leiteiro, pequeno rebanho de cabras e ovinos e alguns cavalos para montaria – um deles preferido para meus passeios e visitas aos parentes vizinhos e deslocamentos para as festas noturnas – o que muito satisfazia ao desejo do Tio Girão em cumular-me de carinhosas atenções e agradar-me, como sempre o fazia ao amanhecer: escolhia a melhor matriz do curral, a “vaca de cor preta” que, como afirmava, tinha um leite mais doce e, na ordenha, entregava-me o copo transbordando de espumas que eu tomava, ainda em jejum, o gostoso e inesquecível “leite mugido” saído quentinho das têtas da “pretinha”. Que delícia! Ali não faltavam: o leite farto, bom queijo (alguns ficavam alinhados sobre a taboa suspensa ao alto da cozinha). O café da manhã com as iguarias próprias do sertão: cuscuz com leite, tapioca, queijo e o delicioso bolo de fubá. A carne de carneiro assada no almoço, às vezes guisada, e o feijão temperado com queijo e manteiga da terra – o tradicional “baião – de dois”. À noite, servia-se a gostosa coalhada ou jerimum com leite. Era demais!!! De relembrar o carinho e a atenção da Jovem em cativar-me nas merendas com o seu famoso bolo de milho – uma gostosura! Que saudade daqueles tempos!!!

Nesse ameno e cordial convívio, compreendi o que é ser uma família feliz e equilibrada. A união do casal e a convivência com os filhos inspiravam tranquilidade, paz, amor e simplicidade. Tio Girão, todo mansidão no falar e no agir era bondade em pessoa, retrato de esposo amoroso e dedicado, se doava por inteiro à sua afetuosa Jovem e aos filhos.  Homem de personalidade forte e dotado de ilibada conduta incorporavam-se-lhe ainda o firme caráter, honestidade inatacável e a sua invejável força de trabalho.

Nilda, mocinha ainda, muito prendada, pura meiguice, prestimosa e incansável na labuta dos afazeres domésticos, ao lado de sua mãe, encontrava tempo para coser em sua maquina, mas com o continua preocupação no cuidar do nosso bem-estar.

Eduilton (Zezinho) curtindo, à época, sua meninice, aos seus dez anos apenas, era um menino ativo, inteligente, esperto, estudioso e muito observador, a tudo interrogava. Queria conhecer e saber de tudo: sobre o ensino na capital, tipos de colégios a matricular-se, matérias curriculares, idiomas exigidos, etc, etc. Dali já se vislumbrava sua promissora vocação, tamanha a curiosidade sobre sua futura formação, principalmente sobre os cursos que teria de fazer em Fortaleza. Mostrava-se um menino arguto com muito pendor para a medicina, demonstrando clara precocidade de inteligência dado ao interesse e indagações por tudo, a par ainda da aguçada capacidade de memorização, talento que o acompanha até hoje. Bom filho, obediente e amoroso aos seus pais e sempre muito estudioso. Recordo-me sua vida escolar, na cidade de Morada Nova (distante uns 6 km), portando o seu bornal à tira-colo cheio de livros. Não era fácil ter de cavalgar diariamente aquela distância, sob um sol escaldante, vencendo as veredas piçarrentas dos “altos” e os estirões dos corredouros poeirentos para as idas e vindas à escola. Nas tardes, após suas tarefas, ainda colaborava no arrebanho do gado e no pastoreio das ovelhas, a despeito do curto tempo de lazer que dispunha.

Conviver com o casal e filhos era para mim encanto e ternura. Sentia-me como um deles, tamanhos eram a atenção, afeto e o carinho com que nos acolhiam e nos dedicavam.

Em realce as proeminentes virtudes do Tio Girão e sua grandeza de  caráter e dignidade, valho-me de retalhos da sinopse de sua biografia inserida às fls. do livro “FAMILIA GIRÃO – HISTORIA E GENEALOGIA”:

“Girão Carneiro, agricultor e pecuarista, era bem o exemplo do proprietário-vaqueiro da fazenda, no Município de Morada Nova. Ali, o Girão da Jovem, como era conhecido, com a colaboração proverbial de sua esposa Vitar Carneiro, uma das poucas provas de que o nosso Deus fez o homem à sua própria semelhança, o casal Girão-Jovem, repito, educou os seus cinco filhos (Maria, Anézia, Luiz, Nilda e Eduilton), criou o seu gado, plantou seus roçados de algodão, milho e feijão e fez o seu queijo, indispensáveis à subsistência da família, estruturada, aliás, sob a égide do amor entre os pais, soube transmitir aos filhos os valores que esmaltam o caráter, como “o cumprimento da lei, retidão de comportamento, honestidade, confiança no trabalho e respeito estrito aos valores morais…”, como bem salientou o filho caçula, Dr. José Eduilton Girão, hoje, médico de renome em Fortaleza.

Figura típica do “Herói do Sertão”, Girão jamais abandonou sua fazenda, enquanto viveu, nem mesmo nas épocas de ausência de chuva, quando a falta d’água e o sol causticante castigam o sertanejo e seus animais, especialmente o gado bovino. Como todo bom pecuarista, este querido membro da família Girão tratava as suas vacas como se fossem verdadeiros seres humanos – chegava até a conversar com elas e, quando porventura uma adoecia ou estava a parir, levantava-se alta hora da noite para cuidar da rês enferma ou necessitada de cuidados. O amor ao seu gado vacum era tanto que nem sequer permitia que ele participasse das vaquejadas, a fim de evitar-lhe os maus tratos”.

Nasceu daí desse meu salutar convívio temporal com o Tio Girão a minha infinda estima e admiração por ele. Cresceu em mim também forte relação de amizade e de afeto com todos da família. Grande é e será sempre a minha infinita gratidão por tudo que de bom recebi deles e de modo todo especial pelo muito que eles, Girão e Jovem, deixaram como exemplos de vida.

Estas, as minhas relembranças em homenagem à memória dos 50 anos da sua viagem ao Céu  chamado que fora por Deus.

O primo-sobrinho: Guilherme Girão de Oliveira

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